Por Priscila Medeiros Pretto, Advogada em Araúz Advogados
A Lei 9099/95, que regulamenta os processos de rito sumaríssimo que tramitam perante os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, está ancorada em diversos princípios que norteiam um procedimento desprovido de complexidade, que estão previstos em seu Art. 2º, garantindo a prestação jurisdicional de forma mais célere e descomplicada para as partes, que devem sempre serem impulsionadas pelo espírito da conciliação.
São eles os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.
Como exemplos, a Lei traz a possibilidade de a parte demandar, sem a assistência de um procurador constituído, nas causas cíveis nas quais o pedido não ultrapasse 20 (vinte) salários-mínimos (Art. 9º). Ainda, dispensa o recolhimento de custas, taxas ou despesas em primeiro grau (Art. 54) e deixa de condenar o vencido ao pagamento dos ônus de sucumbência em primeiro grau (Art. 55).
No entanto, cabe vênia para trazer à baila pertinente discussão acerca do disposto pelo legislador no §1º do Art. 53, pois seus efeitos ferem a própria ideologia processual do ordenamento jurídico.
Tal normativa está inserida na Seção XV da Lei, que trata da Execução, in verbis:
Art. 53. A execução de título executivo extrajudicial, no valor de até quarenta salários-mínimos, obedecerá ao disposto no Código de Processo Civil, com as modificações introduzidas por esta Lei.
§ 1º Efetuada a penhora, o devedor será intimado a comparecer à audiência de conciliação, quando poderá oferecer embargos (art. 52, IX), por escrito ou verbalmente.
Observa-se que o legislador estipulou, como pressuposto de recebimento dos embargos do devedor, a penhora de bens, sendo necessário, portanto, que o juízo esteja garantido, preferencialmente através de depósito judicial, para a análise da peça processual defensiva.
O requisito foi ratificado, inclusive, através do Enunciado 117 do Fórum Nacional de Juizados Especiais, que busca padronizar os procedimentos sumaríssimos:
ENUNCIADO 117 – É obrigatória a segurança do Juízo pela penhora para apresentação de embargos à execução de título judicial ou extrajudicial perante o Juizado Especial (XXI Encontro – Vitória/ES).
Em suma, consolidado o posicionamento acerca da necessária segurança do Juízo como requisito de admissibilidade dos embargos do devedor, que, destaca-se, deve ser no valor pleiteado pelo credor nos autos da execução, ainda que o objeto da defesa seja o excesso do pedido ou até mesmo, a inexigibilidade da dívida.
Para arrematar, transcreve-se recente ementa proferida pela Turma Recursal do Tribunal de Justiça de nosso Estado:
RECURSO INOMINADO. EXECUÇÃO. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO COM GARANTIA DO JUÍZO INSUFICIENTE. GARANTIA EXIGÍVEL EM SEDE DE JUIZADOS ESPECIAIS. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 53, §1° DA LEI 9.099/95 E ENUNCIADO 117 DO FONAJE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais - 0013628-25.2016.8.16.0018 - Maringá - Rel.: Juíza Manuela Tallão Benke - J. 17.08.2020)
Por outro lado, a garantia do Juízo como pressuposto para o mero recebimento da defesa do executado foi dispensada pelo legislador para os processos de Rito Comum, que são regidos pelo Código de Processo Civil, que dispõe em seu Art. 914:
Art. 914. O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá se opor à execução por meio de embargos.
Ora, parece antagônico que o requisito de garantia do juízo tenha sido imposto para o executado nos procedimentos de rito sumaríssimo e dispensado nos procedimentos de rito comum.
Aliás, ainda que exista a defesa processual do devedor comumente conhecida como exceção de pré-executividade, com previsão no Art. 803 do Código de Processo Civil, que independe de garantia do juízo, esta tem cabimento manifestamente restrito, qual seja, para apreciação de vícios atinentes à matéria de ordem pública.
Destarte, não sendo o caso de vícios de nulidade absoluta, a defesa do executado deverá ser necessariamente exercida através dos Embargos.
E muito embora os embargos do devedor no Juizado Especial Cível dispensem um processo autônomo (Art. 53, IX da Lei nº 9.099/95), a necessária garantia do valor pleiteado pelo credor, para somente então ser recebida a defesa do executado, acaba por obstaculizar a efetivação da justa tutela jurisdicional, ferindo, além dos princípios que regem os Juizados Especiais, os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, bem como da inafastabilidade do Poder Judiciário.
Observa-se que o necessário desembolso da integralidade do valor da execução pelo executado pode impossibilitar a própria apresentação da defesa, principalmente nos casos em que a parte executada é uma pessoa física e o valor do pedido é elevado.
Na hipótese, restaria violado o princípio constitucional do contraditório e ampla defesa, disposto no Art. 5º, inciso LV da Constituição Federal, pois o executado não teria condições de custear a sua própria manifestação (Art. 5º, inciso LV da Constituição Federal).
Além disso, o princípio da inafastabilidade da jurisdição também teria sido ferido, pois ao estarem impossibilitados de cumprir com o requisito, os executados teriam o seu direito excluído da apreciação do Poder Judiciário (Art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal).
Levantam-se as hipóteses de o legislador, ao impor tal requisito, ter buscado compensar os demais ônus que foram dispensados às partes no trâmite processual ou ainda, privilegiar o credor, assim como muitas vezes ocorre na Justiça do Trabalho.
A realidade é que não se sabe por qual razão o legislador optou pela imposição da garantia do juízo como requisito de admissibilidade dos Embargos do devedor nos juizados especiais cíveis, mas o dispensou no rito comum, demonstrando-se apropriada a discussão jurídica sobre o tema ora introduzido, especialmente pois aparenta ferir a própria Constituição Federal Brasileira.